Ceilândia e a conquista da cidade

No aniversário da Ceilândia, O Ipê relembra a história de luta de sua Associação dos Inquilinos, que, entre desafios e conquistas, ajudou a forjar essa cidade que transpira força

por Mateus Cavalcante

Na semana passada, completaram 52 anos da criação da Ceilândia. Fruto de segregação planejada, encampada pela Campanha de Erradicação de Invasões (CEI), que buscava remover os moradores da Vila do IAPI, a Ceilândia é hoje a cidade mais populosa do Distrito Federal.

Ao longo de sua riquíssima história, construída por uma gente diversa, criativa e batalhadora, a Ceilândia se apresenta como resultado de muita luta. Apesar de ter como seu marco a CEI, sua formação e posterior desenvolvimento não são frutos apenas da sanha segregadora do Governo do Distrito Federal. Germinam, principalmente, da luta de seus moradores. Trabalhadores que vieram construir a cidade, mas que se tornaram indesejáveis após a inauguração de sua obra.

Resgatar a dimensão de conquista que Ceilândia representa é fundamental. Para a colocar em relevo, recorremos à história da Associação de Inquilinos de Ceilândia. Dando seus primeiros passos em 1983, animada pela nova condição democrática do País, a associação abrigou a luta de milhares de pessoas que buscavam garantir seu direito à moradia. Eram trabalhadores que moravam de aluguel, em péssimas condições, e sofriam despejos constantes devido a pagamentos atrasados. Sua história começa com uma pequena reunião com cerca de 15 famílias. Algumas reuniões mais tarde e já se podiam contar 3 mil participantes em suas assembleias.

A primeira ação do povo que se fazia agora organizado foi a demanda, feita à administração local, de criação de lotes para o assentamento das famílias. Caso não fossem atendidas, as famílias pretendiam invadir terrenos para construir suas moradias. Diante disso, o poder público sinaliza a disponibilização de 3 mil lotes, com vistas a debelar o movimento. Os trabalhadores organizados realizam, então, um levantamento para mapear o número de famílias que deveriam ser assentadas. Apresentados os resultados ao governo, o movimento consegue expandir a oferta inicial de 3 mil lotes para 6 mil.

A vitória animou ainda mais a luta. Após a conquista dos lotes, o movimento avança para novas ações, como a definição de critérios próprios para a distribuição dos lotes, a vigília permanente no local das obras de loteamento e, ainda, a legalização do movimento, criando e registrando a Associação dos Inquilinos da Ceilândia (ASSINC), em fevereiro de 1984.A luta da associação continuou firme, tendo sido muito importante para garantir uma distribuição justa de lotes, que o governo tentava usar para aliciar lideranças, oferecendo privilegiar aqueles que ocupavam cargos na associação.

A luta da associação continuou firme, tendo sido muito importante para garantir uma distribuição justa de lotes, que o governo tentava usar para aliciar lideranças, oferecendo privilegiar aqueles que ocupavam cargos na associação.

Além disso, a ASSINC também lutava para o governo conceder empréstimos para as famílias poderem realizar a construção de suas casas. Nesse período, é interessante notar que a associação chegou a contar com o importante apoio de Comunidades Eclesiais de Base (CEB) — grupos organizados por agentes pastorais ligados à Igreja Católica no Brasil, que buscavam agir em prol da justiça social, influenciados pela teologia da libertação: igrejas foram, inclusive, cedidas para realização de reuniões da associação. Por fim, cabe mencionar que a luta logrou angariar apoio até da mídia, que, ao menos, não deixou de cobrir extensivamente os acontecimentos.

Infelizmente, essa parte da história, que mostra e desnuda a luta de trabalhadores organizados, seus desafios e suas vitórias, sua força e seus inimigos, fica escondida da população. E esse ocultamento consegue gerar em nós a sensação de que o verdadeiro poder emana da burocracia brasiliense, e não do povo; que a cidade é feita de ações governamentais, e não do trabalho de milhares de pessoas — que são quem, de fato, concretizam Brasília.

Para onde se olha em Brasília, vê-se o decalque de um complexo processo, dialético, que envolve os trabalhadores e a burguesia da capital federal, que, através do Estado, visa frear o avanço dos direitos reclamados por aqueles, e apagar sua história.

Mas é justamente a história de luta das trabalhadoras e trabalhadores do Distrito Federal contada no livro em que se baseia esse texto: “A conquista da cidade: movimentos populares em Brasília”, parte da coleção Brasília, da editora UnB. É por essa história que nos interessamos. E é por essa história que nos sentimos honrados de dizer: Parabéns, Ceilândia!

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