Privatização da CEB: os efeitos de mais um ataque ao povo brasiliense

Os resultados recentes da privatização da Companhia Energética de Brasília (CEB) evidenciam, inclusive com demissões e mortes, os absurdos da mercantilização de serviços públicos no DF.

por Gabriel Xavier

Privatizações são constantemente alardeadas como soluções para a suposta ineficiência do setor público e como panaceia para os problemas de todo tipo de serviço público. Acompanhando a realidade do Distrito Federal – desde a demissão de centenas de trabalhadores, passando pela escuridão do Sol Nascente e chegando à morte de crianças na Ceilândia – vemos rapidamente que essas afirmações não passam de mentiras interessadas.

Diante dessa evidente contradição, cabe perguntar: se a população continua a sofrer com a má qualidade de serviços privatizados, então por que essa pauta é defendida por supostos especialistas, por empresários e pela mídia? Se o resultado é a piora inequívoca na qualidade de vida para os brasilienses e para os brasileiros, então por que seguem com a defesa da mercantilização de cada aspecto da vida?

As promessas da Neoenergia batem contra a realidade

No dia 03 de março de 2021, a empresa estatal responsável pela distribuição de energia elétrica em Brasília, CEB Distribuição, teve 100% do seu capital vendido para o Grupo Neoenergia. No momento da privatização, a nova gestão prometeu diversas mudanças para o consumidor brasiliense, principalmente a elevação no volume de investimentos para expansão, automação e modernização do sistema elétrico.

À época, toda uma sorte de benefícios resultantes da privatização foi levantada. No primeiro ano da concessão, esperava-se a instalação de 150 religadores de linha, o que representaria um crescimento de 50% do parque atualmente instalado.

Nas palavras do próprio governador Ibaneis Rocha na cerimônia que oficializou o contrato de compra e venda: “Hoje se consagra um ambiente de vitória e de muita qualidade para a geração de energia no Distrito Federal. Temos a convicção de que fizemos o melhor para o DF. Esse recurso entra hoje para ser investido naquilo que importa para a população, que é infraestrutura.”

O diretor-presidente da Neoenergia, Mario Ruiz-Tagle, na mesma cerimônia, declarou que “chegamos aqui não para subir a tarifa de energia, e sim para fazer investimentos e melhorar a qualidade do serviço”.

Mas os fatos falam mais alto: em novembro de 2022, a tarifa de energia no Distrito Federal aumentou, em média, 11,0%, ficando acima da inflação oficial de 5,9%. Outros pontos factuais desnudam ainda mais a má qualidade do serviço prestado pela nova gestão: após a privatização, os registros de reclamações na Aneel aumentaram 58% e queixas no Procon-DF cresceram 532%.

A falácia do Mercado mais eficiente que o Estado

O argumento tradicional, usado por aqueles que defendem mercantilizar cada aspecto da vida humana, inclusive o próprio saneamento de esgoto, é de que o mercado, supostamente, apresenta os melhores resultados para alocar, de maneira eficiente, os recursos econômicos.

Acontece que essa linha de raciocínio parte de uma premissa bem importante: que outras empresas entrariam nesse novo mercado e disputariam os clientes ao prestar o melhor serviço possível. Há dois problemas aí: (i) energia elétrica é um serviço essencial, ninguém fica sem luz em casa de forma voluntária, portanto você irá pagar o preço que for necessário para garantir o fornecimento; (ii) se o serviço prestado pela Neoenergia for de má qualidade, você pode trocar para outra distribuidora? Evidente que não: estamos, é claro, diante de um monopólio natural.

Assim sendo, se privatizar não garante a melhoria, se a população continua sofrendo com a prestação do serviço, qual a razão de defender a venda da CEB Distribuidora? Bem simples: é uma excelente fonte de receitas. Ofertar um produto que é praticamente essencial para a vida humana, com o consumidor sem possibilidade de escolha, é uma ótima forma de garantir lucros para um empresário. Como o governo Ibaneis opera sua política em favor destes, a Neoenergia encontrou uma oportunidade perfeita.

Nesse sentido, outros serviços considerados indispensáveis para vida de um ser humano, principalmente nas grandes cidades, como saneamento, saúde e transporte urbano enfrentam constantemente a ameaça de serem privatizados com o mesmo objetivo do setor energético.

Não é de hoje que a população brasileira vive com os efeitos das privatizações da energia elétrica, que devem ser aprofundados dramaticamente com a venda da Eletrobrás, cuja reversão deve ser vigorosamente defendida. Casos recentes, como a falta de energia no Amapá, elucidam bastante o completo descuido que a gestão privada tem. Em novembro de 2020, a explosão de um transformador da empresa Macapá Transmissora de Energia (LMTE) causou uma das maiores crises de abastecimento na região em décadas, deixando a capital do estado sem energia por vários dias. Situação que, inclusive, só foi resolvida após o esforço heroico dos trabalhadores eletricitários da Eletrobras, antes de sua privatização.

Aqui no Distrito Federal, recentemente, ao final de 2022, a queda de um fio de energia casou a morte de três crianças na Ceilândia. A tomada de decisão para empresa privada é bastante clara: lucro máximo! Se evitar mortes causará um custo de manutenção maior, então essas pessoas podem e devem morrer para garantir os lucros da Neoenergia. A mesma lógica pode ser entendida com os desastres de Brumadinho e Mariana, causados pela Vale do Rio Doce: se evitar a destruição dessas cidades terá encargos financeiros maiores, então essas cidades devem ser sacrificadas.

Outro efeito nefasto da privatização é a redução do acesso aos serviços pela população marginalizada. Recentemente, moradores do Trecho 3 do Sol Nascente, realizaram uma assembleia para discutir o direito a serviços básicos como saneamento, manutenção de estradas, limpeza e coleta de lixo, expansão dos transportes de ônibus e, como não pode deixar de ser, melhor prestação na iluminação pública.

Por que a privatização reduz o acesso? A empresa privada só irá prestar o serviço, com a maior margem possível, para quem pode pagar, não está ali ofertando o serviço por caridade. Assim, regiões mais ricas do Distrito Federal, com a mercantilização de todos esses serviços públicos, tendem a concentrar o acesso a regiões com renda média superior, enquanto a população do Sol Nascente permanecerá apagada.

Ou seja: a privatização só é boa para o empresário, que irá utilizar dessa propriedade privada como mecanismo de extração de lucro, ao invés de ocorrer a socialização e universalização deste serviço. Assim, a estratégia do governo Ibaneis é sucatear todos esses serviços, com o objetivo explícito de criar um consenso para privatização de diversos setores – não apenas da CEB Distribuidora. Os ataques ao funcionalismo público também operam nessa lógica: é necessário jogar a opinião pública contra esses trabalhadores, de maneira a facilitar a venda do patrimônio do povo aos grandes empresários.

Empresários querem desorganizar os trabalhadores

Apenas no primeiro ano de concessão, em 2021, a Neoenergia já realizou três planos de demissão voluntária. Com o processo de privatização, os trabalhadores da empresa perderam a estabilidade no emprego, condição essencial para o próprio equilíbrio na vida pessoal dos eletricitários. Aqui, recorda-se que o direito ao emprego estável foi roubado dos operários do setor privado logo após o golpe empresarial-militar de 1964.

Dessa forma, a privatização atende outro interesse dos grandes empresários: desorganizar a classe trabalhadora. Afinal, um funcionário que tem medo da demissão reclama menos por suas condições de trabalho. É essa uma das razões por que absurdos como as reformas administrativas tramitam no Congresso: o objetivo não é garantir melhores serviços, mas, longe disso, é atacar setores da classe trabalhadora mais organizados, fragmentando, dividindo e desarticulando os operários.

Portanto, retomar a CEB Distribuidora das mãos dos grandes capitalistas não é apenas uma pauta relevante para a população do Distrito Federal porque a prestação de um serviço essencial não deve ser fonte de lucro. É também uma luta que envolve a melhoria das condições de trabalho e o fim da precarização de todos os trabalhadores. A luta dos eletricitários contra a privatização envolve também os enfermeiros, rodoviários, bancários, professores e todos aqueles que trabalham. Um ataque e perda de direitos trabalhistas deve ser visto com unidade de classe, ou seja: é um ataque contra todos os trabalhadores.

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