O combate à epidemia de HIV no Brasil: lutas, desafios e retrocessos.

A Revista O Ipê entrevista o psicólogo Filipe Duarte, especialista em saúde comunitária, para jogar luz sobre a epidemia de HIV no Brasil, sua determinação social e os desafios atuais em seu combate

Por Angelo Barreto

O vírus da imunodeficiência humana (HIV, na sigla em inglês) tem como alvo o sistema imunológico, enfraquecendo os sistemas de defesa das pessoas. Ao destruir e prejudicar as células imunes, os indivíduos com o vírus se tornam gradualmente imunodeficientes, o que aumenta a suscetibilidade a várias infecções e doenças. O estágio mais avançado da infecção por HIV – quando da ausência do tratamento com medicamentos antirretrovirais – é a síndrome da imunodeficiência adquirida (aids, na sigla em inglês), que pode demorar de dois a quinze anos para se manifestar. A aids é caracterizada pelo desenvolvimento de certos tipos de câncer, infecções ou outras manifestações clínicas graves.

A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) estima um total de 38 milhões de pessoas ao redor do mundo vivendo com HIV até o fim de 2019, e mais de 33 milhões de mortes até o momento. Na América Latina o número de novos casos aumentou 21% desde 2010, com aproximadamente 120 mil novas pessoas infectadas em 2019. Ainda nesta região, observa-se que a epidemia de HIV afeta desproporcionalmente alguns grupos, incluindo gays e homens que fazem sexo com homens (HSH), mulheres trans e trabalhadoras(es) do sexo. Na América Latina, esses três grupos são responsáveis por aproximadamente metade das novas infecções em 2019 e 37% no Caribe.

No Brasil, observa-se um refluxo na utilização da Profilaxia Pré-Exposição (PrEP), segundo o Painel PrEP do Ministério da Saúde. De 2018 para cá, estima-se que 43% das pessoas descontinuaram o uso de PrEP. Esse cenário reflete, em alguma medida, o descaso do governo Bolsonaro no combate ao HIV/aids, a exemplo da redução dos recursos destinados as campanhas de prevenção em 2021, que equivale a 0,6% dos cerca de R$ 16,5 milhões anualmente investidos, e da exclusão de alguns grupos chaves à epidemia de tais campanhas preventivas, ações educativas e antidiscriminatórias.

Para melhor entender o contexto atual no combate ao HIV/aids no Brasil, a Revista O Ipê entrevistou o psicólogo Filipe Mateus Duarte, que é mestre em saúde comunitária e doutorando do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA), onde participa de pesquisas na intersecção entre temas do campo das sexualidades, juventudes, pessoas vivendo com HIV/aids, práticas e sentidos do risco e prevenção ao HIV e outras infecções sexualmente transmissíveis (IST).

Revista O Ipê: Em publicação de 2020, que conta com sua coautoria, afirma-se que “no caso específico do HIV, além das questões e dúvidas que se abrem sobre as possibilidades de novos relacionamentos, revelação da soropositividade, combinação e efeitos adversos dos medicamentos, há a persistência do medo e sentimento de culpa por uma possível transmissão do HIV”. Levando em consideração a sua formação enquanto psicólogo, e sua experiência no campo da sexualidade, juventudes e pessoas vivendo com HIV/aids, como você visualiza os impactos da condição de soropositividade na saúde mental dos jovens vivendo com HIV/aids?

Filipe Duarte: As terapias antirretrovirais produziram mudanças inegáveis no cenário do HIV/aids, com alguns estudiosos da área denominando o momento atual da epidemia como “HIV pós-tratamento” ou “normalização do HIV”. De maneira geral, hoje falamos do HIV como uma condição crônica de saúde, o que quer dizer que ela é gerenciável e demanda cuidados contínuos. De fato, a TARV tem determinado não apenas impactos sobre a história natural da doença (alterando a natureza e a frequência das doenças denominadas oportunistas e aumentando substancialmente os anos de vida das pessoas vivendo com o vírus), mas também tem produzido novos significados sobre o viver com HIV e permitido um deslocamento da ideia de “sentença de morte” para “possibilidade de vida”. Mas, para além dessa normalização do HIV, tensões e dilemas continuam a persistir no cotidiano das pessoas. Em meu trabalho de mestrado pude acompanhar o cotidiano de alguns homens cis jovens da cidade de Salvador recentemente diagnosticados. Tal trabalho permitiu que eu estivesse em contato direto com os desafios concretos que se apresentavam para eles durante as idas e vindas aos serviços e, também, com os enfrentamentos que passaram a ter que lidar no âmbito íntimo e relacional a partir do diagnóstico. A partir desse trabalho pude perceber, por exemplo, que a questão da revelação da soropositividade continua sendo um processo difícil que envolve o medo do estigma e da rejeição, mesmo com os conhecimentos científicos que temos hoje sobre a intransmissibilidade do vírus quando se está em tratamento e indetectável. As pessoas vivendo com HIV permanecem significadas como perigosas, como diz a professora Vera Paiva. Não é à toa, por exemplo, que a revelação da sorologia positiva seja mais difícil e mantenha-se em segredo mais do que a própria homossexualidade, que ainda é um tabu. De algum modo, isso se deve ao fato de que, diferentemente de outras doenças crônicas, como diabetes e hipertensão, a aids encontra-se associada à ideia de uma “sexualidade promíscua”. Algumas pesquisadoras já sinalizaram, por exemplo, a existência de aspectos morais que diferenciam aqueles que contraíram o HIV por transmissão vertical (da mãe para o bebê), que são vistos como “vítimas” da epidemia, e aqueles que soroconverteram por relação sexual, vistos como “culpados”, por ser o HIV resultado de comportamentos sexuais supostamente tidos como “irresponsáveis” ou “descontrolados”. De fato, isso tem efeitos nas trajetórias de saúde mental de pessoas vivendo com HIV. E quando falo de saúde mental quero sinalizar para a relação com as condições concretas da vida, não da saúde mental como um termo esvaziado e fora da realidade das pessoas. Não podemos generalizar dizendo que os enfrentamentos são iguais para todos. Para alguns, a saúde mental já fragilizada é potencializada pela descoberta do HIV e é atravessada por elementos anteriores que, talvez, se coloquem agora de maneira mais acentuada: a questão racial, a pobreza, os desafios no campo do trabalho e os obstáculos à manutenção do cuidado à saúde. Para outros, além dessas questões, será colocada a expectativa de um amor ou mesmo de uma transa casual que supere o estigma do HIV. Assim, para além da “normalização” da aids, não se pode negligenciar o fato de que conviver com a sorologia continua sendo um processo complexo, um desafio que envolve a ameaça ao sigilo sobre o status sorológico, o medo da rejeição, a ideia de culpa e responsabilidade, as idas e vindas de aceitação da sorologia, na medida em que o estigma e a discriminação que acompanha esse estigma ainda justificam dificuldades não apenas de quem vive com o HIV, mas de toda a sociedade em lidar com o assunto.

ROI: Tanto as terapias antirretrovirais (TARV) quanto as profilaxias pré e pós-exposição (PrEP e PEP) têm sofrido os impactos das políticas de austeridade fiscal, fruto da atual etapa do capitalismo, bem como da negligência política do atual governo. Isso inevitavelmente refletiu no tratamento de grande parcela das pessoas que vivem com HIV/aids. Você pode comentar a respeito desse cenário e dos seus efeitos negativos nas condições de vida e saúde destas pessoas?

FD: Ao longo dos anos o Brasil vem construindo o enfrentamento à epidemia por meio da combinação de diferentes estratégias: ampliação da testagem para diagnóstico, tratamento antirretroviral para pessoas diagnosticadas, oferta de preservativo e profilaxias pós e pré-exposição ao HIV, entre outras medidas. Algumas pessoas, principalmente jovens, se espantam quando afirmo que a testagem é gratuita e o tratamento também. Graças ao nosso sistema público de saúde, que é o SUS, tudo isso está disponível para todos como um direito universal. Mas o lugar de referência mundial no controle da doença tem sido ameaçado pela emergência de governos autoritários e neoliberais e pela proeminência de grupos conservadores e religiosos interferindo no campo dessas políticas públicas. Além disso, cortes em gastos sociais e redução dos investimentos públicos têm como efeito o enfraquecimento de um SUS que já era subfinanciado e que agora está ameaçado pelo desfinanciamento. E essa política de desinvestimento na coisa pública tem freado progressos não apenas nas políticas de saúde, mas também para uma série de outras políticas econômicas e sociais que vinham produzindo impactos naquilo que chamamos de determinação social da saúde: renda, emprego, assistência social, educação etc. Diariamente temos notícias de como têm aumentado a pobreza e a fome, aumentado a mortalidade infantil, diminuído a cobertura vacinal etc., o que resulta em maior vulnerabilidade da população às doenças de todo tipo. No caso de doenças infecciosas, como o HIV, as políticas de austeridade não somente podem agravar a propensão a sua transmissão, mas também limitam a nossa capacidade para tratá-las, principalmente porque sabemos que um dos efeitos dessas políticas é a redução no contingente de trabalhadoras e trabalhadores de saúde disponíveis nos serviços, o que implica em redução na oferta dos atendimentos. Já pude escutar também relatos de pacientes sobre fracionamento dos antirretrovirais, o que obriga que essas pessoas realizem diversas viagens para pegar a medicação no serviço, sendo que muitas vezes elas não têm esse dinheiro para custear o deslocamento. No campo da prevenção, além da redução de financiamento, foram descartadas ações de mídia e educativas, ações antidiscriminatórias direcionadas às trabalhadoras sexuais, homens que fazem sexo com homens, jovens gays e pessoas trans (travestis, homens e mulheres trans). Nesse sentido, o que tem ocorrido nos últimos anos é uma violência àquilo que é um patrimônio nosso, que é a seguridade social, que inclui a universalização da saúde, mas não apenas ela.

ROI: Você pode comentar o pressuposto de que têm crescido os “casos de HIV/aids entre jovens, e principalmente entre homens jovens que fazem sexo com homens”, se pensarmos que houve muitos avanços relacionados ao HIV/aids desde a sua descoberta, tanto no campo teórico, de desenvolvimento e pesquisa, como no de tratamento?

FD: Vale ressaltar, de início, que o incremento de casos entre jovens não é um fenômeno brasileiro apenas e possui características particulares em cada contexto. Por exemplo, em um relatório divulgado em 2019, a UNAIDS apontou que, na região da África Subsaariana, quatro em cada cinco novas infecções entre adolescentes de 15 a 19 anos acontecem em meninas. No caso do Brasil, o Boletim Epidemiológico de HIV/aids divulgado pelo Ministério da Saúde tem chamado a atenção para a tendência de crescimento de casos de aids entre jovens, mas a série histórica tem dado destaque para o aumento de casos entre os homens, sendo que em algumas faixas etárias esses números chegam a duplicar ou triplicar nos últimos 10 anos, como é o caso das faixas de 15 a 19 anos e 20 a 24 anos. Os casos sobressaem entre jovens gays e outros homens que fazem sexo com homens (HSH) em relação à população geral. Nota-se também uma tendência de aumento no coeficiente de mortalidade por aids entre jovens. Aqui, esse fenômeno de incremento dos casos entre jovens é parte de uma equação complexa que envolve diferentes elementos. Nos últimos anos tem havido um aumento da distribuição dos testes rápidos, ampliando o poder para diagnosticar novos casos. Tínhamos campanhas regulares, seja nos serviços de saúde ou em contextos de eventos e datas comemorativas, que contribuem para a maior oferta da testagem e provocam efeitos no contingente de pessoas que passaram a conhecer sua situação sorológica (tanto positiva quando negativa para o HIV). Mas também o fenômeno de aumento de casos de HIV nesta população pode ser compreendido como atravessado por essa conjuntura de conservadorismos, com pressões e alinhamentos entre grupos específicos nos espaços de decisão governamental e reverberações nas ações e respostas sobre a epidemia. As respostas à epidemia de HIV/aids hoje se veem acossadas pelo devaneio de um mundo sem sexualidades e sem diferenças. Uma utopia encabeçada por grupos políticos com agendas alinhadas ao combate daquilo que classificam como “ataques à moral e aos bons costumes”. Essas disputas estão na ordem do dia, por exemplo, quando há o cancelamento de campanhas governamentais de prevenção voltadas às categorias de jovens gays/HSH e trabalhadoras do sexo (como ocorreu no Carnaval de 2012 e na campanha com prostitutas em 2013) e no tolhimento de discussões sobre sexualidade e gênero em espaços educacionais (como a suspensão, em 2011, do material educativo “Escola sem Homofobia”, chamado equivocadamente de “Kit Gay” pela bancada evangélica). Então, embora tenhamos muitos avanços em informação, prevenção e tratamento, todos esses confrontos e enfrentamentos são elementos que, de algum modo, compõem um cenário de reforço às situações de estigma, discriminação e responsabilização às populações vulnerabilizadas, podendo resultar na maior exposição ao vírus, no não engajamento em atitudes preventivas frente ao HIV e outras IST ou como barreiras no acesso aos serviços de saúde.

ROI: É possível identificar um recorte de classe social entre as pessoas que vivem com HIV/aids? Na sua percepção, quais os impactos da sociabilidade capitalista na vida dessas pessoas? É possível dizer que o HIV/aids é determinado socialmente?

FD: Nenhuma questão de saúde está fora do social, seja porque sua etiologia emerge e está ligada às condições concretas da vida, seja porque seu enfrentamento está atravessado pelos diversos aspectos do social. No caso do HIV, sem dúvida, nós temos um agente etiológico, um vírus que age atacando o sistema imunológico; mas questões sociais integram o modo como diferentes pessoas se expõem, são afetadas e adoecem por esse vírus. No contexto atual, sabemos que há uma maior concentração de pessoas vivendo com HIV/aids em países de economias periféricas da África e da América Latina. A região da África Subsaariana, por exemplo, abriga dois terços das pessoas que vivem com o HIV no mundo. Só isso já pode indicar o quão a população sorologicamente positiva para o HIV é aquela população mais empobrecida e marginalizada no sistema capitalista. Aqui no Brasil, embora os dados de HIV/aids não sejam apresentados oficialmente a partir do critério de classe, podemos identificar isso indiretamente por meio do critério da escolaridade e raça/cor. O último Boletim Epidemiológico, divulgado em 2021, mostra como a epidemia tem afetado desigualmente a população negra (pretos e pardos) e menos escolarizada. No caso da população negra, ela figurou em 2021 com mais de 50% dos casos registrados no país. Os óbitos também são desiguais quando comparado entre brancos e negros, com queda entre os primeiros e crescimento entre os últimos. Nesse sentido, o adoecimento tem tudo a ver com as desigualdades e contradições de um mundo em que parece que temos muitas informações, recursos e serviços disponíveis, mas que na verdade eles não chegam a quem de fato necessita. Quanto mais vulnerável, mais barreiras à informação sobre saúde e, particularmente, sobre HIV/aids.

ROI: O estigma relacionado ao HIV/aids ainda é algo muito recorrente na sociedade em que vivemos. Pode-se dizer que o reconhecimento infame do HIV/aids contribui em alguma medida para a involução e retrocesso vivenciados nesse campo? O engajamento por novas rotinas de cuidado com o objetivo de tornar e manter a carga viral indetectável passa por um engajamento político e social?

FD: Desde os anos iniciais, a epidemia de aids foi politizada e moralizada, tanto quanto foram outras epidemias em nossa história. Nesse sentido, o engajamento político e social sempre foi a espinha dorsal do enfrentamento ao HIV/aids nessas quatro décadas de epidemia, em especial pela sociedade civil e grupos ativistas. Esse engajamento político está associado tanto à pressão frente aos governos e à comunidade científica – especialmente no que se refere ao reconhecimento da aids como uma questão de saúde coletiva e ao aperfeiçoamento de medicações para seu tratamento – quanto com relação à defesa de direitos e ao enfrentamento de estigmas e discriminação que socialmente assumem contornos de sofrimento emocional e social às pessoas vivendo com HIV. Inúmeros grupos, associações e organizações não governamentais tiveram e têm papel fundamental nesse percurso em diferentes lugares do mundo. E elas têm uma experiência acumulada na atuação ao lado das comunidades mais afetadas pela epidemia, o que garante maior participação dessas comunidades na construção das estratégias de prevenção e na comunicação de pares. Aqui no Brasil a gente tem o GIV, o GAPA, o GGB, a ABIA, o Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas (MNCP), a Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/aids (RNP+Brasil), as Redes Estaduais e Nacional de Adolescentes e Jovens Vivendo com HIV/aids, enfim, inúmeros grupos organizados em torno dessa questão. A aids, com seus simbolismos do sangue, do esperma e da saliva, ganhou contornos de um mal, sendo as pessoas vivendo com HIV inseridas na relação entre o puro e o impuro como parte dessa segunda categoria. Uma marca infeliz disso é a etiqueta de “aidético” como aquele que está “sujo” e, por isso, pode manchar, corromper, perverter e contaminar o entorno. Eu diria que iniciar o tratamento e persistir nele de forma a alcançar a carga viral indetectável é também parte de um engajamento político. Mas não se trata simplesmente de uma questão de adesão ao tratamento, porque assim a gente individualiza muito o debate, a gente imprime a responsabilidade única e exclusiva no indivíduo em alçar esse status de indetectável. Há pessoas que não conseguem alcançar esse status. Politizar o debate seria compreender que o itinerário de cuidado das pessoas que vivem com HIV implica lidar com o medo de ter sua sorologia “descoberta”, o que muitas vezes as afasta dos serviços de saúde. E tem as próprias idas ao serviço, tendo muitas vezes que lidar com a pobreza e falta de recursos. Como já disse anteriormente, muitas vezes as pessoas não têm recursos para se deslocar até lá, pois os serviços estão concentrados nas áreas centrais das cidades e essas pessoas residem em áreas periféricas. Essa é uma realidade concreta e esses elementos podem ter impacto na maneira como as pessoas levam adiante ou não o seu tratamento, permitindo chegar ou não ao status de indetectável e à interrupção da cadeia de transmissão.

ROI: As pessoas que vivem com HIV apresentam necessidades comuns a todos nós, afinal, são indivíduos que necessitam de condições básicas (alimentação, moradia, lazer, educação etc.) para sua reprodução na sociedade. Contudo, estas pessoas apresentam outras necessidades “singulares”, a exemplo de exames periódicos para medir taxas de carga viral e CD4, a utilização de medicamentos diários (com efeitos diversos sobre o vírus e os próprios corpos), entre outras. Mesmo compreendendo que cada pessoa vivencia de modo diferente as manifestações do HIV/aids, na sua opinião, quais são dificuldades comuns [no sentido de relativo ou pertencente a muitos seres] que, de modo geral, todas elas experimentam nesse tempo histórico?

FD: De forma geral, é possível falar das dificuldades que impedem o acesso e a continuidade do tratamento nos serviços de saúde, que, como falei, não são apenas de ordem individual, mas também barreiras programáticas que se interpõem no processo de cuidado. Existe também uma demanda elevada de saúde mental que não é absorvida pela estrutura que temos hoje no sistema de saúde. Eu acabo mencionando muito o estigma aqui porque, de fato, ele ainda é a questão mais desafiadora na vivência e no enfrentamento da epidemia de HIV/aids. Ele acaba interferindo em todo o processo. A gente achava que o estigma desapareceria com os antirretrovirais mais eficazes e com o fato de eles poderem zerar a transmissão do vírus. Mas isso não aconteceu. O estigma permanece até hoje justamente porque no caso da aids tem um ponto que é o tabu do sexo, das sexualidades. Não se trata apenas do vírus HIV, mas de tudo que ele suscita como uma infecção ligada ao sexo. Então, como sociedade, projetamos um culpado e geralmente esse culpado são as minorias, as sexualidades não normativas: as identidades trans, as homossexualidades, as pessoas trabalhadoras do sexo etc. Então, isso produz desamparo, produz fragilidade nas redes de apoio e interfere diretamente na capacidade que essas pessoas têm de enfrentamento da vida cotidiana, seja no campo afetivo, familiar, do trabalho etc.

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