Em busca da reeleição, o governo Ibaneis faz diversas promessas no campo habitacional. Seu histórico, porém, desnuda o óbvio: ele não tem intenção alguma de cumpri-las.
por Mateus Cavalcante
É ano eleitoral. O político burguês faz acenos e tenta iludir os trabalhadores utilizando da sua posição de poder no Estado. De repente, obras são concluídas, lotes são regularizados, abre-se cadastro para recebimento de moradia popular etc. No Distrito Federal, há um caso concreto de político burguês que só se lembra de trabalhar a cada quatro anos.
O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB-DF), é um advogado milionário que busca a reeleição em 2022. Em 2018, surfou na onda pós-política da sociedade brasileira e se apresentou como um outsider, vencendo o segundo turno com quase 70% dos votos válidos. Atribuía a si mesmo o discurso de outro oportunista, o governador João Dória (PSDB/SP), de que poderia pagar a própria campanha, vendendo uma falsa ideia de que pessoas ricas seriam honestas na política por não precisarem roubar. O argumento é irônico. Os condenados por corrupção provêm, em sua esmagadora maioria, de classes abastadas. É justamente porque possuem poder econômico elevado que podem subornar políticos para corromper o Estado, subestimando as instituições jurídicas e administrativas.
Tendo à sua disposição a máquina pública, Ibaneis vem fazendo reiteradas promessas no campo habitacional. É notável o volume de reportagens publicadas nos últimos três meses noticiando ações do governo nesse setor em Brasília. Com a complacência da mídia brasiliense, Ibaneis busca criar a imagem de um governador que entrega casas, licenças e regularizações.
Justificando o apelido: promessas do governador “Inganeis”
Levantamento realizado pelo portal G1 demonstra o nível do compromisso de Ibaneis: tinha cumprido apenas nove das 57 promessas de campanha até pouco mais da metade do seu governo. Embora os dados não tenham sido atualizados desde meados de 2021, basta analisar as propostas concretas para constatar que o número não sofreu grandes alterações.
Durante a campanha de 2018, a verve promesseira do então candidato chegou a níveis judicializáveis, especificamente no setor de política habitacional: o emedebista chegou a dizer que utilizaria recursos próprios para reconstruir moradias derrubadas pela Agefis – a antiga Agência de Fiscalização do Distrito Federal, substituída, na gestão Ibaneis, pela Secretaria “DF Legal”, o que reduziu a autonomia do órgão. A declaração, com aparente intenção de compra de votos, foi contestada pela campanha de Rodrigo Rollemberg. Contudo, o TSE rejeitou a ação, alegando que a promessa era meramente “genérica”, embora não tenha sido, de fato, cumprida.
Já o programa concreto de governo de Ibaneis, apresentado durante o mesmo processo eleitoral de 2018, continha um conjunto de propostas pífias para a área de habitação. É apenas natural que o político-advogado que possui a casa mais cara do Distrito Federal (aproximadamente 23 milhões de reais) e orgulha-se de ostentar a própria vida de luxo desmesurado – que inclui desde a compra de relógios de R$ 145 mil até a aquisição de avião particular para viajar com a família – não tenha real interesse ou capacidade de enfrentar os problemas habitacionais do Distrito Federal. Como tradicional operador dos negócios da burguesia, sua maior preocupação sempre foi a entrega de obras pontuais – em épocas estratégicas – de forma a garantir a ocupação do poder por essa classe.
E Ibaneis parece seguir à risca essa função. Possui 44 obras a serem entregues em 2022, muitas iniciadas há anos, mas mantidas em banho-maria até o ano presente. Não é coincidência, claro, que o “canteiro de obras” anunciado pelo governo do Distrito Federal vá ganhando contornos finais apenas em 2022, a tempo de contar com a participação do governador nas inaugurações. Mais uma vez, sua pré-campanha vai ganhando características muito distantes da realidade de propostas e ações do próprio governador Ibaneis Rocha.
Despejos durante a pandemia
O governo que hoje programa a entrega de dezenas de obras não deu qualquer trégua aos trabalhadores, castigando-os mesmo em meio a uma pandemia que resultou em milhares de mortes e desempregados. Em seu governo, as ações de despejo não foram nem um pouco tímidas e pacíficas. A situação foi tão dramática que, no dia 17 de março de 2021 – pleno auge da pandemia – a população sentiu necessidade de arriscar-se e realizou uma manifestação contra os despejos do governo Ibaneis e em prol da prorrogação da ADPF 828, que suspendia as desocupações. Protestos com a pauta habitacional em foco seguiram-se durante todo o ano, com a participação do PCB-DF, que tomava medidas protetivas especiais em meio à crise sanitária.
Um dos despejos realizados pelo governo foi emblemático de sua gestão. Valendo-se de inaceitável truculência policial contra os moradores, militantes e apoiadores, o governo Ibaneis fez diversas incursões para efetuar o despejo de 38 famílias que ocupavam um terreno próximo ao Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), na Asa Sul. A escola comunitária criada no local para educar as crianças que não tinham acesso às ferramentas para aulas remotas, a escolinha do cerrado, foi a última estrutura a sucumbir ao despejo criminoso. Nessa época, as filas para UTI chegavam a 400 pessoas.
Paula Alves, militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB-DF), relembra:
“A condição inicialmente ilegal do despejo foi verificada pelo GDF ter violado a concessão da Liminar da 8ª Vara da Fazenda Pública do DF, que proibiu ordens de reintegração da ocupação no espaço do entorno do CCBB. Apesar dessa liminar, ocorreu então o terceiro despejo, que havia sido autorizado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), após uma solicitação do Governo do Distrito Federal (GDF). Dessa vez, o despejo foi muito mais truculento”.
Diante da cruel arbitrariedade com que agia o GDF, diversas ações foram prontamente empregadas pelos militantes do PCB-DF para auxiliar as famílias:
“Realizamos ações de solidariedade, arrecadação de roupas, comissões de vigília durante os dias mais sensíveis de possibilidade de despejo, debaixo de chuva ou sol. Após os despejos, com as famílias totalmente desamparadas naquele espaço, organizamos uma força-tarefa junto a outras organizações políticas e independentes para comissões de solidariedade como coleta e entrega de comida e água e mesmo vigília e resistência à toda brutalidade policial sofrida”.
Paula Alves, que também milita pela Unidade Classista (UC), corrente sindical do PCB, ressaltou ainda a importância da atuação conjunta com o PSOL/Subverta, advogados populares e movimentos sociais de luta por moradia:
“Foi criada uma comissão jurídica responsável por confeccionar a ADPF n. 828, que determinou, por seis meses, a suspensão de despejos, remoções forçadas e reintegrações de posse de natureza coletiva ou privada, na cidade ou no campo (caso de pessoas em situação de vulnerabilidade vivendo sob aluguel). Determinou-se que elas não ocorressem enquanto estivesse em curso a pandemia da Covid-19”.
Fora das peças publicitárias do governo, a situação permanece crítica. Apenas no ano de 2022, já se contam 6 ações de despejos, impactando cerca de 550 famílias, conforme nos declarou Júlia Bittencourt, diretora do Sindicato dos Arquitetos do Distrito Federal (ArquitetosDF). A arquiteta menciona ainda que foram mapeadas 16 ocupações com ameaças de despejo. Atualmente, o que tem protegido o direito fundamental à moradia e impedido os despejos tanto nas áreas urbanas quanto rurais é uma decisão do STF.
Assim, fica evidente a completa falta de compromisso com as necessidades dos trabalhadores por parte do GDF. A gestão atual representou um governo antipovo que busca vender a imagem, em ano eleitoral, de preocupação com questões habitacionais ao mesmo tempo que despeja famílias com violência durante uma pandemia que vitimou mais de 670 mil brasileiros.
Ocupações como fator de politização
A conquista de direitos trabalhistas hoje tidos como tradicionais (férias remuneradas, jornada de trabalho de oito horas, décimo terceiro), bem como o enfrentamento vitorioso às ofensivas de diferentes governos são fruto, como se sabe, da organização da classe trabalhadora. A necessidade de organização e mobilização para a luta por condições dignas estende-se também, é claro, ao campo da política habitacional.
O Distrito Federal tem atualmente mais de 500 ocupações espalhadas por seu território. São famílias demandando o cumprimento de seu direito a uma moradia digna. Os moradores de ocupações têm que enfrentar, diariamente, a truculência da polícia, a falta de saneamento, a constante ameaça por fazendeiros e a dificuldade de comprovar residência para a busca de empregos – para citar apenas algumas dificuldades. As ocupações são, portanto, manifestações reais das contradições da luta de classes vividas pela classe trabalhadora, que luta por seu direito àquilo que ela produz. Justamente por isso, são espaços de imenso potencial para mobilização política.
O número de ocupações indica a profundidade do problema habitacional no DF, ao mesmo tempo que demonstra o vigor da luta popular. Por isso, o apoio às ocupações é de extrema importância. Por meio das ocupações, moradoras e moradores elevam sua consciência ao mesmo tempo que reafirmam sua autonomia perante um sistema que busca adormecer as massas. O apoio a essa luta deve ser, pois, incansável e permanente: não deveria se limitar a calendários eleitorais ou a promessas de campanha.