A banalização sexualizada da nudez e do sexo desumanizam as relações afetivas e reforçam suas imagens como mercadorias estereotipadas que valem cada vez menos no mercado
por Iasmim de Morais
Recentemente, vimos surgir a problematização da hipersexualização no universo da música pop em algumas plataformas midiáticas – tanto no Brasil quanto no exterior. Há poucos meses, cantoras nacionais “estouraram” no exterior com suas músicas e danças de teor sexual. Esse acontecimento nos faz refletir sobre a importância do corpo enquanto um produto e o porquê do trabalho artístico de uma mulher precisar do corpo sexualizado como uma ponte para o sucesso. Vale ressalvar que esse texto não é uma ode ao conservadorismo e muito menos uma condenação a essas mulheres, mas sim uma reflexão sobre o papel dos nossos corpos no sistema capitalista, a partir do que podemos questionar: a quem interessa a venda da nossa imagem?
A sexualização de corpos, principalmente corpos femininos, acompanha a globalização e se adapta ao sistema capitalista. É notável a imagem sexual da mulher na cultura pop, não só no universo da música, mas também em filmes, séries, livros, jogos e animações infantis. É importante lembrarmos que existe uma constante evolução nos discursos sociais para justificar a exposição e venda de corpos sexualizados. Desde a década de 1980 que os maiores hits no universo da cultura pop estão associados a imagens hipersexualizadas de corpos, embasadas nos discursos de liberdade sexual feminina, e que chegam aos dias de hoje como empoderamento feminino, muito reproduzido pelo feminismo liberal.
“Meu corpo, minhas regras”
Essa frase foi incorporada de forma extremamente banalizada nesses discursos que defendem a exposição dos corpos como uma maneira de escandalizar e enfrentar o conservadorismo. São falas vomitadas por “ícones” de um feminismo liberal, sem nenhum tipo de estratégia ou garantia política, sem reflexão sobre o sistema, sem críticas aprofundadas e principalmente, sem um recorte de classes. Tornam-se apenas jogadas de marketing, roteirizadas, muitas vezes, por homens de negócios que manipulam as massas e lucram com a pornificação da nossa imagem.
Consumo e produção da pornografia
Portanto, existe o outro lado da moeda por trás das mulheres empoderadas das capas de revista, dos clipes musicais e até mesmo das redes sociais. São aqueles que consomem esses produtos e reproduzem papéis sociais e diversos comportamentos adoecidos. Entre eles, podemos citar os transtornos sexuais e transtornos de imagem, bem como o vício em pornografia e vícios sexuais diversos, todos relacionados à saúde mental. Com o imediatismo alimentado na atualidade, o consumo desses conteúdos é constante e muitas vezes inconsciente, desde a infância afetando o nosso pleno desenvolvimento social, moral e psicológico.
A mídia pornográfica nos vende um padrão inalcançável, de fisionomia corporal e de performance sexual. Perdemos a infância sendo condicionados e passamos a juventude tentando alcançar esse padrão sem nenhum sucesso. Agora, grande parte dos jovens adultos está adoecida e com relações sociais sensibilizadas e enfraquecidas. É bem verdade que abriu-se também caminho para um discurso “acolhedor” das diversidades dos corpos e condenação daqueles que consomem pornografia. Mas ainda nesse caso nossos corpos são sexualizados, e também culpados e solitários, pois esses padrões nos distanciam cada vez mais uns dos outros, e inflam um individualismo quase narcisístico, influenciando nossas percepções coletivas.
A prostituição do trabalhador: da metáfora para a literalidade
O consumo da pornografia a partir das influências da mídia é prejudicial à saúde física e mental de crianças, adolescentes e jovens adultos. Porém, a indústria pornográfica não se dá por satisfeita somente com o consumo. Com o avanço das relações virtuais, a imagem do corpo passou a se tornar uma moeda de troca em diversos ambientes virtuais. Mulheres, adolescentes e até mesmo crianças expõem suas imagens em troca de algo que tenha algum valor.
Essa prática tem sido difundida nas redes sociais e a venda de imagens de partes do corpo é banalizada e encarada como piada, ao mesmo tempo que contribui com o crescimento desenfreado de conteúdos cada vez mais “pornificados”. Mas não podemos julgar essa prática por si só, sem questionar as motivações daqueles que a praticam. A escassez de trabalho é um dos principais motivos desse crescimento “autônomo” da produção pornográfica.
Nas últimas décadas, as ofertas de trabalho caíram drasticamente, e aqueles que restaram empregados recebem salários significativamente inferiores ao real valor daquele trabalho. No desespero de conquistar autonomia e qualidade de vida, as pessoas recorrem aos meios aparentemente fáceis e ilusoriamente menos desgastantes para conseguir aumentar a renda do mês.
É com esse discurso de “fazer uma renda extra” que muitos artistas do pop e influencers digitais aderiram a sites de conteúdos para maiores. Motivam assim centenas de pessoas a fazer o mesmo – um prato cheio para a mídia pornográfica.
A indústria pornográfica encontra atalhos nessa lógica liberal e se instala como parasita, nos sugando além da mão de obra. É mais um dos grandes tentáculos do capitalismo, que explora os indivíduos usando e abusando desses atalhos que o alienam e o desumanizam. A pornografia nos transforma em produtos baratos e de fácil acesso, mas quanto mais baixa a classe social, mais essas pessoas são marginalizadas, exploradas e abusadas sexualmente.
A pornografia é uma violência contra a mulher e também é base, juntamente com a prostituição, o estupro, o assédio e todas as violências sexuais, do patriarcado machista. Como um todo, o feminismo desde seus primórdios com Mary Wollstonecraft se preocupou muito com a objetualização da mulher. Por isso os tempos de hoje requerem uma visão feminista radical, que se apoie nessa preocupação com todas as formas de subserviência, mercantilização do corpo feminino e também desvalorização dos sentimentos da mulher. Como dizia Andrea Dworkin, “A pornografia é a teoria, o estupro a prática”.
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