O governo distrital concedeu lotes a famílias do Morro do Sabão, em Samambaia. São dois os problemas: a entrega sem infraestrutura e a razão eleitoral da medida
por Pedro Dinis
Em 27 de abril de 2022, o governo Ibaneis divulgou a liberação das concessões de moradia para poder realizar, “de forma pacífica”, como disse, o despejo por que ansiava no Morro do Sabão. Os moradores da ocupação em Samambaia, beneficiados pela concessão, receberão apenas um lote sem qualquer infraestrutura mínima para um lar decente. Uma pergunta de imediato nos convida a refletir: quem conseguiria morar em uma concessão?
A ocupação do Morro do Sabão
As famílias contempladas pela assinatura do termo de concessão são oriundas de uma ocupação por moradia realizada no Morro do Sabão. Ao todo, 79 famílias, ainda que nem todas neste momento, serão contempladas com a concessão do governo. Esta comunidade, que existe há mais de dez anos, divide espaço com outras cinco ocupações naquela região, conhecida como Parque Gatumé. O parque ecológico ocupado foi criado em 2005 por meio do decreto 26.437/2005 e corresponde a mais de 148 mil hectares de terra.
Aqueles que moravam e moram no Morro do Sabão passaram, no decorrer dos anos, por diversos despejos. No local onde ocorrerá o próximo, nem todas as pessoas foram beneficiadas de imediato. Cerca de 50 famílias receberão o lote da concessão pública nesse primeiro momento. Salta aos olhos como, no mesmo Parque Gatumé, possam existir chácaras estruturadas, não com madeirite, como no Morro de Sabão, mas sim com piscinas e outros luxos inacessíveis à maioria da população. Como costuma ocorrer nas sociedades capitalistas, com as singularidades dos países ditos em desenvolvimento, essas chácaras de instalações mais elaboradas não passaram, em momento algum, por remoções.
A concessão
Como bem rege o artigo sexto da Constituição Federal: “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia…”. Devemos, portanto, refletir acerca da concepção de moradia evocada no texto constitucional. Seria suficiente conceituar moradia como um pedaço de terra sem nada? A resposta evidente a essa questão deve servir de contraponto para análise crítica dos interesses por trás deste ato do Governo Distrital.
Pois bem, na última quinta-feira de abril, o governador Ibaneis Rocha (MDB) concedeu lotes vazios para realização de um despejo. Contudo, aqueles beneficiados pela concessão foram removidos de uma ocupação com anos de história para se instalarem em um lotes sem qualquer estrutura, ou seja, sem chances de adequação a qualquer conceito definível de moradia. Hoje, a região chamada de Expansão de Samambaia, mais precisamente no Sol Nascente, possui pavimentação, água e drenagem. A concessão dos lotes prevê que os moradores receberão, não sabe-se quando, a construção de módulos-embrião (que não passam de pequenas casas), para, a partir disso, fazer as ligações de esgoto.
Ainda que nem todas as 79 famílias que moram no Morro do Sabão tenham conseguido o lote, já que de imediato cerca de 50 famílias foram contempladas, o próprio governador emedebista disse que a concessão servirá para que a “remoção seja feita de forma pacífica”. A argumentação “pacifista” e “humanitária” de Ibaneis revela nas entrelinhas a resistência que a população local realizou contra o despejo. Trata-se de uma realocação que não atinge todas as famílias e, ainda, as famílias contempladas recebem, em troca do despejo, um lote vazio e desestruturado para morar. Fica em evidência, assim, o caráter sorrateiro da justificativa central do gesto do governo: cumprir uma decisão judicial de despejo.
As eleições
Como já abordado, a ocupação ali existe e resiste por cerca de 10 anos. A luta por moradia da comunidade do Morro do Sabão passou por diversas ações de despejos, mesmo antes do governo Ibaneis, como nos dizem as matérias da Agência Brasília de 2015 e 2016. A ação judicial de despejo seria mais um atentado contra a dignidade daqueles que não tem outra opção para moradia, fato corriqueiro no governo de Ibaneis Rocha.
Somente em abril de 2021, o atual governo do DF já havia realizado mais de 135 ações de despejo. E o destaque para a política de despejos realizados pelo governador não se restringe apenas aos números de desocupações realizadas, por mais que impressionem, mas também à violência empregada. No ano de 2021, o militante Thiago Ávila chegou a ser preso ao se manifestar contra uma ação de despejo ilegal próximo ao CCBB. À época, importa lembrar, a Lei Distrital nº 6.657 proibia a remoção de ocupações e a efetivação de ordens de despejo.
Dessa maneira, não podemos interpretar o uso político desta concessão do governo a não ser como uma medida eleitoreira, cuja arbitrariedade e violência fazem eco junto ao discurso burguês que predomina ideologicamente na sociedade. Os moradores contemplados são reféns da política de concessão incompleta feita pela gestão Ibaneis, em que a decisão acerca da disponibilização dos módulos-embrião das casas restantes ficará a cargo do poder executivo local – provavelmente em troca da votação na zona eleitoral correta. Além disso, fica evidente a tentativa de limpar a imagem dessa gestão do histórico de despejos ilegais, violentos e numerosos, que, de fato e de direito, são a herança do mandato Ibaneis Rocha para população do Distrito Federal.
[…] Tendo à sua disposição a máquina pública, Ibaneis vem fazendo reiteradas promessas no campo habitacional. É notável o volume de reportagens publicadas nos últimos três meses noticiando ações do governo nesse setor em Brasília. Com a complacência da mídia brasiliense, Ibaneis busca criar a imagem de um governador que entrega casas, licenças e regularizações. […]
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