Mensagem a Lula no ATL: quem almeja o voto dos povos originários deve defendê-los de fato

O pré-candidato à presidência da República foi ao Acampamento Terra Livre, mas sua passagem relâmpago não permitiu que alguns recados importantes fossem dados. Eis aqui um deles.

por Andreas Silva

No dia 12 de abril deste ano, o presidente Lula esteve no Acampamento Terra Livre por cerca de 2 horas, momento em que a maior parte das e dos indígenas acampadas/os se reuniram no barracão central para acompanhar as discussões, se preparar para falar e/ou escutar o que seria ali prometido e acordado.

Nem todos tiveram a oportunidade de falar. Como é comum em eventos que agregam muitas entidades, o diálogo infelizmente restringiu-se aos coordenadores das organizações regionais que compõem a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e conseguiram inscrever-se no momento. Uma carta coletiva foi entregue, resumindo as demandas. Justamente por se tratar de uma articulação tão ampla quanto diversa, restou ali muito que ainda precisava ser dito.

Como forma de divulgar ao menos uma das falas impedidas, a Revista O Ipê abre espaço para Julia Souza, militante do Partido Comunista Brasileiro que esteve acampada com sua delegação do Rio Grande do Norte. Ela compartilhou conosco o que havia planejado falar no evento:

Bom dia a todos do plenário, bom dia ex-presidente.

Bom, o ex-presidente gosta muito de falar que em seu governo o Brasil deixou de ser colônia. Porém, eu costumo afirmar que o Brasil só deixará mesmo de ser colônia quando superar um problema que está no DNA de sua formação; esse problema é a concentração de terras, a manutenção e expansão do latifúndio, que tem necessariamente como outra face a expropriação de indígenas, quilombolas e camponeses, bem como a invasão em territórios não demarcados e até demarcados.

Esse é um problema que, de 1500 para cá, se reproduz e se reatualiza, promovendo um ciclo nefasto de violações, empobrecimento, adoecimento, exploração, miséria e, principalmente, dependência. Tudo isso penaliza não apenas os povos das florestas, dos campos e das águas, mas também as populações trabalhadoras que residem nas cidades.

Pois sem soberania dos povos originários, tradicionais e campesinos, não existe soberania do povo brasileiro. A soberania nos territórios precede a constituição de uma soberania alimentar e ecológica que interessa a toda a classe trabalhadora, uma vez que a vida de todos nós germina da terra. E para que a gente conquiste essa soberania, é preciso que se enfrente o agronegócio que, como bem sabemos, não produz alimentos para satisfação das necessidades humanas – e sim produz commodities para exportação, além de deixar um rastro de destruição por onde passa.

E tal enfrentamento não se faz dialogando com os nossos inimigos; se faz, na verdade, é caminhando ombro a ombro com os movimentos de luta pela terra, no sentido de levar a cabo duas pautas vitais: a demarcação de terras indígenas e a realização da reforma agrária. Infelizmente, os governos PT deixaram muito a desejar no cumprimento dessas pautas, tendo inclusive ficado atrás do Governo FHC – um governo puro-sangue do neoliberalismo. E por isso, ex-presidente, eu gostaria que o senhor nos falasse como pretende lidar com essa questão tão sensível da terra, caso venha a ser eleito novamente.

Pela atenção de todos, obrigada, e DEMARCAÇÃO JÁ!!
Fora Bolsonaro e Mourão!

Vale lembrar que o Rio Grande do Norte é uma das unidades federativas do Brasil que chegou a declarar não possuir mais povos indígenas em seu território, apesar de os Potiguara, os Tapuias e outros sempre reivindicarem seus direitos, não deixando de anunciar pelos quatro cantos que os indígenas estão presentes no estado.

Conforme o último Censo Nacional de 2010, havia 2.597 indígenas dispersos em 10 municípios do Estado, e a tendência é de crescimento desses dados para o próximo censo. Assim, uma das principais demandas é a demarcação das terras indígenas, como Julia apontou em sua fala, para o que já há estudos da Funai.

Atualmente, todos os processos nesse sentido encontram-se parados, uma vez que Bolsonaro garantiu a seus aliados que não demarcaria nem mais um centímetro de terra indígena no país. Lula, entretanto, também demarcou poucas terras em comparação com a demanda.

É como se os presidentes fossem os anéis que se vão enquanto ficam os dedos ruralistas bem acomodados em cima dos processos demarcatórios, com suas unhas cravadas em terras que, machucadas, gritam por seu povo. Nesse caso, na troca de anéis, bom mesmo seria decepar a mão.

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