Uma calota polar maior que o estado do Rio de Janeiro colapsou no leste da Antártica em março de 2022, estremecendo a falsa ideia de que a ciência pode, em qualquer momento, tentar ser neutra.
por Felipe Rodrigues
Uma plataforma de gelo de 1.200 quilômetros quadrados (km²), maior que todo o estado do Rio de Janeiro, colapsou no leste da Antártica entre 14 e 16 de março de 2022, em uma área que, até agora, apresentava maior estabilidade e resistência em relação aos já notáveis efeitos do aquecimento global. Matéria da Associated Press ressaltou que cientistas, já cientes da devastação causada e do que ainda está por vir, estão cada vez mais preocupados com a rapidez assustadora com que as condições vêm se agravando.
A exata preocupação que a maioria de cientistas apresenta não é um consenso. O geofísico Rob Larter, da British Antarctic Survey, afirma que apenas uma parte do leste da Antártica seria um problema, subestimando a magnitude da catástrofe que nos espera num futuro breve. De qualquer forma, padrões climáticos cíclicos já não são explicações suficientes para estes eventos.
A declaração do último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) é alarmante e afirma categoricamente que a humanidade é, sim, culpada pelas mudanças climáticas, além de destacar que a rápida aceleração dessa devastação pode ser facilmente observada com os dados levantados pelo grande coletivo de cientistas de mais de 195 países.
Levando em conta a gravidade da mensagem e a proliferação de negacionistas que brotam nas redes sociais sempre que o assunto do Aquecimento Global é trazido à mesa, parece que o filme “Não Olhe para Cima”, do diretor Adam McKay (disponível na Netflix), é mais um triste espelho da realidade do que uma paródia tragicômica.
A questão dos “influencers científicos”
A solução para a questão climática passa por uma mudança radical de nossos padrões de produção e consumo, alcançável apenas por meio da subversão do jugo imposto à humanidade pela submissão de todo nosso sistema político-econômico ao lucro. Nesse sentido, discutir o tema do aquecimento global furtando-se a abordar a questão política que a subjaz é apenas uma forma refinada de negacionismo, tão deletéria quanto àquela que nega o aquecimento climático por ação antrópica.
Infelizmente, algumas das várias raízes desse problema estão bem mais profundas do que muitas e muitos de nós pensamos. Uma grande parte da comunidade científica nacional e internacional da internet, que pode ser percebida em figuras como Átila Iamarino, Manual do Mundo, Kurzgesagt, Canal do Pirulla, Nerdologia, VSauce, It’s Okay To Be Smart, Ciência Todo Dia, entre outros, apresenta graves lacunas quando o assunto é se posicionar politicamente.
Seja com uma forte vontade de não entrar nesse assunto (devido a desinteresse ou desconhecimento), seja com medo de retaliações e perda de monetização, ou até mesmo o puro e simples anticomunismo, muitas dessas importantes referências evitam falar sobre as soluções, alternativas e caminhos que podem ser trilhados para solução de problemas regionais, nacionais, e até mesmo globais. Um claro exemplo disso são as contas pessoais do Twitter do Átila Iamarino e do Pirulla. O primeiro sempre evita entrar em assuntos políticos, por já ter sido criticado duramente em 2020 e 2021 devido à sua visão liberal, e o segundo, sempre que possível, derrama seu anticomunismo desinformado pelas redes sociais, jogando no lixo a importância da pesquisa bibliográfica que tanto defende em seus vídeos do Youtube.
Todavia, parecem não se lembrar de que essa década em que estamos é crucial para as mudanças climáticas. O que ocorrer até o final dela definirá todo o futuro da humanidade. E é neste ponto que poderia e deveria ser mais divulgado o aspecto político do assunto sobre o clima.
Poxa, mas só se fala sobre política
É compreensível que haja um cansaço em relação a debates políticos, que parecem, ultimamente, ocupar todos os espaços de nosso convívio. Todavia, pergunto: o que não é político? Os preços exorbitantes do gás de cozinha, da gasolina nos postos de combustível, do mercado, da água e da luz são todos temas políticos. O aquecimento global, as catástrofes da natureza e as pandemias, também.
Desvincular nosso dia-a-dia das decisões políticas que o definem beneficia somente aqueles que desejam que tudo permaneça como está. É por isso que muitos deputados, senadores, e até mesmo o presidente brasileiro espalham todo dia que todas essas mazelas causadas pelas decisões torpes tomadas por eles não têm nada a ver com política.
Vêm, pouco a pouco, dia a dia, rachadinha a rachadinha, escândalo a escândalo, empurrando qualquer pauta de seu interesse goela abaixo do povo brasileiro, única e simplesmente para benefício deles mesmos e das classes que representam. Ainda têm a coragem de dizer que qualquer acusação contra essa politicagem toda não passa de “mimimi esquerdista”, um dos códigos recorrentemente utilizados para sufocar o debate político na sociedade.
A questão aqui, especificamente acerca do problema ecológico, é que o conhecimento e os trabalhos desenvolvidos por cientistas sociais cujos estudos perpassam a questão climática deveriam ser mais ouvidos, estudados e difundidos, pois trazem entendimentos e propostas importantes para o assunto, principalmente no que diz respeito aos impactos de nossas formas de organização político-econômica nas mudanças climáticas.
Somente por meio da politização dessa temática, por exemplo, é que se torna possível perceber que a responsabilidade pelas mudanças climáticas é desigual: apenas uma minoria agrava realmente o problema. Torna-se possível perceber que, no entanto, os impactos são compartilhados de maneira também desigual: a maioria é a que mais sofre. E essa minoria que explora e polui, bem como a maioria que é explorada e sofre as consequências das mudanças climáticas, podem ser mais precisamente descritas. Trata-se de conjuntos de pessoas com características específicas, como gênero, classe e raça. A destruição da natureza tem, pois, impactos específicos sobre os povos racializados.
O que é racismo ambiental?
Segundo a definição de Selene Herculano, “racismo ambiental é o conjunto de ideias e práticas das sociedades e seus governos que aceitam a degradação ambiental e humana com a justificativa da busca do desenvolvimento e com a naturalização implícita da inferioridade de determinados segmentos da população afetados. Negros, indígenas, ribeirinhos, pescadores, migrantes, extrativistas, trabalhadores pobres que sofrem os impactos negativos do crescimento econômico e a quem é imputado um sacrifício em prol de um benefício para os demais”.
Para ver onde e como isso acontece no mundo, não precisamos ir muito longe. Observemos a maneira como a política é feita no governo Bolsonaro e o seu total descaso e perseguição aos indígenas, por exemplo. Ou ainda, o tratamento dado por Justin Trudeau e o governo canadense a seus povos originários.
Ainda sobre essa temática, não é segredo para ninguém que a justa repartição da fortuna dos bilionários seria suficiente para acabar com a fome e a miséria no mundo, e ainda sobraria um troco! Até mesmo atacar e reverter a questão do aquecimento global implicaria um custo realizável para os verdadeiros donos da riqueza mundial. Ora, por que então não se unem para salvar o planeta e, com isso, a eles próprios?
A resposta é bem simples: porque não é lucrativo. A caridade de bilionários no Brasil ou mundo afora não passa de propaganda barata e positiva, como uma “desintoxicação” de suas imagens. Propagandas essas que custam apenas alguns centavos de suas fortunas, sendo assim extremamente vantajosas frente a qualquer outra alternativa ou, ainda mais, a qualquer mudança real das estruturas que lhes beneficiam.
Basta olhar para a pandemia, período em que os bilionários aumentaram suas fortunas, enquanto a renda de 99% da humanidade caiu. A desigualdade é e sempre foi conveniente para eles. A realidade é que não existe conciliação entre sustentabilidade e a sede capitalista pelo lucro.
Como diria Rosa Luxemburgo: é socialismo ou barbárie. Esta nós já sabemos como é. O pior é que, dependendo da origem, do gênero e da cor da pele, muitas e muitos a vivem todos os dias. É hora de escolhermos a outra alternativa da equação. É hora de construirmos uma alternativa socialista.