por Afonso Henrique
Torcida do Estrela Vermelha, time de Belgrado, faz protesto no estádio e ironiza postura da Otan e EUA
Em partida realizada no último mês, a torcida do clube sérvio Estrela Vermelha levantou seis faixas em referência a diversos conflitos causados pela Otan e pelos EUA ao redor do mundo. A manifestação política, que incluiu menção ao golpe civil-militar de 1964 no Brasil, encarnou crítica à postura hipócrita observada na maior parte do globo em relação ao atual conflito entre Rússia e Ucrânia.
A manifestação ocorreu durante o jogo de volta contra o Rangers pelas oitavas-de-final da Liga Europa. Mesmo com a vitória por 2 a 1, o clube sérvio foi eliminado no placar agregado, uma vez que o time de Glasgow triunfara no jogo de ida por 3 a 0.
Entre os crimes de guerra denunciados nas faixas vermelhas e brancas que subiram pelas arquibancadas constaram a Guerra da Coreia (1950), a invasão da Baía dos Porcos, em Cuba (1961), o bombardeio da antiga Iugoslávia, atual Sérvia (1999), e o golpe militar brasileiro na década de 60.
Além de outras atrocidades empreendidas pelos países do bloco euro-atlântico, tremulou no estádio Marakana também uma faixa em que se lia: “Tudo o que nós estamos dizendo é: deem uma chance à paz¨, em referência à música do ex-beatle John Lennon, Give peace a chance. Em tempos de comoção seletiva com os horrores da guerra e de esquecimento de seus reincidentes senhores, o pedido de paz feito por um clube sérvio, sediado na antiga capital iugoslava brutalmente bombardeada pela Otan, com entusiasmado apoio do atual presidente norte-americano, conseguiu sintetizar décadas de hipocrisia ocidental.

A Estrela Vermelha
A estrela vermelha de cinco pontas, símbolo bolchevique apropriado pelo clube de Belgrado, é muitas vezes relacionado apenas ao Estado soviético, emergindo como signo moderno e revolucionário.
O símbolo, contudo, tem raízes antigas, calcadas no folclore russo. Representa, assim, não apenas os ideais da revolução russa, mas também a capacidade dos bolcheviques de dialogar com a força da tradição cultural dos povos eslavos e movê-la em direção da luta por justiça. É o que se observa no relato de Orlando Figes, pesquisador insuspeito de idealizar o movimento comunista:
“Um panfleto do Exército Vermelho de 1918 explicava aos homens que serviam nele por que a estrela vermelha aparecia na bandeira soviética e em seus uniformes.
Era uma vez uma linda jovem chamada Pravda (Verdade), que levava em sua testa uma estrela vermelha ardente a iluminar todo o mundo e a levar a verdade, a justiça e a felicidade. Um dia, a estrela vermelha foi roubada por Krivda (Falsidade), que queria trazer a escuridão e a maldade ao mundo. Assim começou o governo de Krivda. Nesse ínterim, Pravda apelou ao povo para recuperar sua estrela e ‘devolver a luz da verdade ao mundo’. Um bom infante venceu Krivda e suas forças, devolvendo a estrela vermelha a Pravda, de maneira que as forças malignas fugiram da luz como ‘corujas e morcegos’, e ‘mais uma vez o povo viveu graças à verdade’”.
O panfleto deixava claro o significado da parábola: “da mesma maneira que a estrela vermelha do Exército Vermelho é a estrela de Pravda, e os homens que servem no Exército Vermelho são os camaradas corajosos que combatem Krivda e seus partidários malignos; assim também deve a verdade governar o mundo e todos aqueles que são oprimidos e enganados por Krivda, todos os pobres camponeses e operários, devem viver bem e em liberdade”.
Nascia dessa forma mais um símbolo que se espalharia pela região e por todo o mundo como representação da luta da classe oprimida contra seus exploradores.
O Clube da Estrela Vermelha
A origem do Estrela Vermelha mistura-se também com a história plural da Iugoslávia. O clube nasceu em 1945, no contexto da Guerra Fria e do governo de Josip Broz Tito, como resultado de uma fusão de clubes anteriores.
O Estrela Vermelha foi fundado pela Aliança Unida da Juventude Antifascista, ligada à polícia secreta da época, e teve de assistir, meses mais tarde, ao surgimento do que viria a ser o seu maior rival, o Partizan Belgrado.
As rivalidades da região dos Balcãs seguiam quase o mesmo roteiro: um clube representava o nacionalismo local, enquanto seu rival representava o pan-eslavismo internacional. Em Belgrado não foi diferente: o Estrela Vermelha virou símbolo do nacionalismo sérvio, enquanto o Partizan, nascido com apoio do exército, encarregou-se de representar o pan-eslavismo.
Assim, o Clube da Estrela Vermelha esteve sempre intrinsecamente associado à política, de maneira dúbia. Para alguns, representava o clube popular sérvio adequadamente disposto na Iugoslávia. Para outros, representava o nacionalismo anti-iugoslavo, que hoje desagua no hooliganismo dos ultras de extrema-direita, também torcedores do clube.
A própria história do time confunde-se com os avanços e retrocessos que o nacionalismo já representou na região. Em 1980, em jogo contra o croata Hajduk, foi anunciado que Tito havia falecido, e a torcida pôs-se logo a cantar em uníssono: “Camarada Tito, nós juramos nunca desviar de seu caminho”. Dez anos depois, porém, a partida contra o também croata Dínamo Zagreb não chegaria ao fim devido a conflitos entre as torcidas, figurando como símbolo do início das guerras civis que assolariam a região.
Com a dissolução da Iugoslávia, os times croatas, importantes adversários dos times de Belgrado, passaram a disputar a própria liga nacional, arrefecendo a antiga rivalidade. Mas, para o Estrela Vermelha e o Partizan, isso significou apenas o aguçamento da disputa entre os dois times, acirrando a rivalidade na capital sérvia.
O clássico entre os dois clubes é chamado de “dérbi eterno”, com fontes diversas apontando-o como um dos 10 maiores clássicos do mundo. A primeira partida entre os times foi disputada em 05 de janeiro de 1947 e, até a data desta matéria, constam 111 vitórias do Estrela Vermelha, 81 vitórias do Partizan e 68 empates.
No entanto, o Estrela leva vantagem quando o tema passa a ser os títulos importantes no currículo: em 1991, o clube conquistou a Liga dos Campeões, em final contra o Olympique de Marselha. O clube de Belgrado foi melhor nos pênaltis, batendo o time francês por 5 a 3, depois de um empate sem gols no tempo regulamentar. Mais tarde no mesmo ano, o clube conquistaria ainda o Intercontinental de Clubes, sagrando-se o melhor time do mundo após vitória por 3 a 0 diante do forte Colo-Colo, do Chile.
Principais títulos do Estrela Vermelha
19x Campeão da taça da Iugoslávia
21x campeão da Iugoslávia
6x campeão da taça da Sérvia
11x campeão da Sérvia
1x campeão da taça europeia (liga dos campeões)
1x taça Intercontinental
Principais títulos do Partizan
9x Campeão da taça da Iugoslávia
17x Campeão da Iugoslávia
7x Campeão da taça da Sérvia
10x Campeão da Sérvia