O Governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, aparenta estar disposto a lutar para implementar a terceirização da merenda, mas tem encontrado dificuldades em avançar na pauta
por Guilherme Monteiro
O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), sofreu uma derrota na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF). Foi derrubado o seu veto ao projeto de lei 1.318/2020, que proíbe a terceirização completa da gestão da alimentação escolar nas escolas públicas da capital federal. O governador julgou tal medida como um retrocesso, “temos que evoluir”, e indicou estar disposto a lutar judicialmente contra a decisão.
O projeto de lei, de autoria do deputado distrital Chico Vigilante (PT), proíbe a terceirização da gestão da alimentação escolar por empresas privadas. O texto foi aprovado em março do ano passado, com 15 votos favoráveis em segundo turno, e seguiu para sanção do governador do Distrito Federal (DF), que optou por vetar tal proposta. Contudo, seu veto foi retirado com 15 votos a favor e uma abstenção. A proposta foi promulgada pela CLDF e já passou a contar como lei distrital.
Na proposta de Chico Vigilante, apresenta-se a justificativa de que sua intenção é “coibir a prática de privatização/terceirização da gestão da alimentação escolar no DF”. É importante salientar que a referida lei, contudo, não põe um ponto final na terceirização, mas impede que a gestão completa seja terceirizada, podendo a Secretária de Educação do Distrito Federal (SEDF) ainda terceirizar parte dos serviços e celebrar os atuais contratos firmados pelo Governo do Distrito Federal (GDF).
Esta é uma briga que já foi travada nos espaços legislativos do DF. Em 2020, a SEDF anunciou um pregão para a terceirização completa do serviço de merenda escolar no DF, mas após denúncias sobre indícios de corrupção, a licitação foi revogada pela própria secretaria.
A Terceirização na SEDF
A prática da terceirização na SEDF é, sem dúvidas, algo que vem sendo alvo de grandes polêmicas no governo Ibaneis. De fraudes milionárias à escassez alimentícia, nem mesmo a pandemia foi capaz de frear esses escândalos.
Em 2019, a Polícia Cívil do Distrito Federal (PCDF) deflagrou a Operação Fames, nome que faz referência a deusa romana da fome. Na ocasião, cumpriu-se quatro mandatos de busca e apreensão, um na empresa contratada para fornecimento de merenda e os demais no endereço do dono da empresa e dos servidores envolvidos na licitação. Foi descoberto que a mudança nas exigências dos alimentos, que havia ocorrido de maneira injustificada, beneficiava diretamente a vencedora da licitação.
Ainda em 2019, no primeiro ano do mandato de Ibaneis, a operação Excesso de Gordura investigou a qualidade das almôndegas servidas na merenda escolar da SEDF, sob denúncias de excesso de gordura no alimento. Após análise laboratorial, foi identificado que todas as amostras apresentavam uma proporção lipídica superior ao estipulado no contrato com a empresa fornecedora. As crianças estavam sendo alimentadas, literalmente, com gordura ao invés de proteína.
Em 2020, a segunda fase da Operação Fames aconteceu simultaneamente à Operação Self-Service, nome dado em alusão ao fato que os suspeitos agiam em benefício de si próprios. No caso, a relação entre agentes públicos e empresários agia de forma a permitir que os editais de terceirização beneficiassem empresas pré-determinadas. O prejuízo com a fraude nesses contratos podia chegar à R$ 11 milhões.
Em 2021, o alvo da vez foi o feijão. O Tribunal de Contas do Distrito Federal identificou um sobrepreço de 44% no valor pago pelo feijão pela SEDF, totalizando um gasto de R$ 26.202.274,10. O quilo do feijão custou R$9,75 aos cofres públicos. A título de comparação, o preço do quilo do feijão à época custava em média R$ 6,70.
O que se torna claro é que os problemas que as crianças do Distrito Federal encontram com a merenda escolar não é uma questão de verba. Entre 2013 e 2021, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), repassou para o GDF aproximadamente R$ 300 milhões, dos quais apenas aproximadamente R$ 120 milhões foram gastos. Como o presidente do Conselho de Alimentação Escolar do Distrito Federal (CAE-DF), Thiago Dias, aponta, “se o DF não usar o recurso, o dinheiro volta para a união, por falta de empenho”. Seja por falta de empenho ou por corrupção, a escassez alimentícia nas escolas e alimentos de pouca qualidade nutritiva parecem ser a marca registrada da administração da merenda pela SEDF no governo Ibaneis.
Terceirizar é precarizar
A alarmante ofensiva contra a gestão da merenda escolar na SEDF pode causar mais danos do que se aparenta. O próprio texto do Projeto de Lei 1.318/2020 escancara problemas recorrentes da prática de terceirização: “outro problema verificado quando se permite que a gestão seja terceirizada é a pouca transparência, desde os editais dos processos licitatórios, passando pela formação de cartéis e grandes empresas que inibem a concorrência, e a dificuldade de uma efetiva fiscalização da confecção e distribuição da alimentação servida nas unidades escolares”.
Compreendendo a complexa rede econômica que se esconde por trás do prato de merenda do aluno, terceirizar também significa reduzir o custo da força de trabalho dos funcionários que trabalham na cozinha dessas escolas. Estima-se que uma privatização total dessa área colocaria em risco o emprego de mais de 2 mil merendeiras.
Para além disso, a privatização aumentaria a dificuldade que alimentos oriundos de agricultura familiar cheguem à mesa dos alunos, o que prejudicaria cerca de 6 mil produtores rurais e 30 mil trabalhadores do campo, tendo em vista que com a privatização, grandes empresas passariam a gerir a merenda e a adquirir os produtos a serem consumidos pelos alunos da procedência que lhes fosse mais conveniente.
Nesse sentido, o Sindicato dos Professores do Distrito Federal (Sinpro-DF) aponta que a melhoria da qualidade da merenda, construção de refeitórios e reformas das cantinas deve ser tomado como algo de responsabilidade do GDF, e não algo a ser delegado a empresas terceirizadas.
No final das contas, os maiores prejudicados continuam sendo os trabalhadores e seus filhos. Pautar uma outra educação, que corresponda aos interesses da maioria da população, implica necessariamente em dar a devida valorização à merenda, pois é ela que no final das contas permite que a criança tenha energia o suficiente para aprender em sala de aula.
É necessário compreender que a merenda na escola pública vai muito além do que um simples lanche entre uma aula e outra para as crianças, mas muitas vezes é a principal refeição (se não a única) de muitas crianças em situação de insegurança alimentar. Por isso, se faz necessário constantemente repetir o óbvio: não se aprende de barriga vazia.